Pediram-me que escrevesse sobre "ser mãe", o título do livro.
Escrevi 3 cartas. Uma para a Mathilde, outra para a Manon e outra, porque eu sou mãe com o Xavier que é o pai, para o meu grande amor.
Aqui estão.
Mathilde, Manon, e Xav, para vós.
"Minhas Mathilde e Manon,
pediram-me para escrever sobre esta grande
aventura que é ser mãe e não sei fazê-lo de outra forma que não seja a falar de
vós, as minhas filhas e do vosso pai, Xavier.
Nestas cartas está bastante do que é para mim
ser vossa mãe. Há muito, muito mais, que não cabe nas palavras. Sabei, porém,
que tudo o que sou convosco é muitíssimo mais e melhor do que o que eu era
antes de vós.
Minha Mathilde,
Nasceste numa noite de lua cheia tal como eu, às
21h30, quase como eu que nasci um quarto de hora depois.
Mas tu, Mathilde, chegaste num solarengo dia de
Primavera e eu quase no Natal.
Tu chegaste com a mudança da hora, a boa, a que
torna os dias maiores, a que traz luz.
Chegaste com as andorinhas, o jasmim, o cheiro
a sol.
Chegaste e eu sussurrei-te
“Bem vinda Mathilde! Este é o mundo. Mundo,
esta é a Mathilde.”
e desejei em segredo
“Que sejas feliz!”.
Dormiste a noite toda e eu não dormi nada porque
passei todas as horas a olhar para ti, perguntando-me, como ainda o faço
“Como é que eu fiz isto? Um ser humano, com
cabeça, tronco e membros, olhos, nariz, boca, dedinhos das mãos, dedinhos dos
pés? ... É que não é a mesma coisa que fazer um desenho... é uma espécie de
milagre... Eu fiz uma pessoa, de carne e osso!”.
Sim, sou médica e a minha mãe, a vovó, é
enfermeira parteira, cresci a saber como se fazem, como crescem na barriga e
como nascem os bebés, mas não é académica a minha perplexidade.
Podia repetir o dia do teu nascimento para
sempre, que seria feliz.
Desde que te vi pela primeira vez e sempre que
te vejo, maravilho-me com a tua existência.
Tu és a Mathilde, um ser humano único e
irrepetível, tu és a Mathilde, talentosa, bonita, cheia de sardas, elegante,
responsável, amável, graciosa, divertida, verdadeira, inteligente, cuidadosa, investida,
filósofa, criativa, artista, e muito, muito boa.
Tu és a Mathilde, a minha Mathilde, a nossa
Mathilde, e saíste da minha barriga, de mim, para o mundo.
Tu és a minha filha, a minha primeira filha, e,
no entanto, não és minha, és de mim, porque os filhos não são nossos, são do
mundo, e tu és do mundo, como todos nós. E fui eu quem te trouxe ao mundo.
É tão grande a realidade deste feito que não
cabe nas palavras.
Como tu, minha pequenina, és tão grande que não
há vocábulos suficientes para te descrever.
Que boa sorte que eu tenho!
Que boa sorte é ter-te!
Que boa sorte que eu tenho!
Que feliz sorte que nós temos!
Prometo todos os dias que te acompanharei no
teu caminho, que estarei sempre contigo, haja o que houver, que respeitarei as
tuas decisões. Que as aceitarei e apoiarei se concordar e que as aceitarei mas
não garanto resignação se não concordar, e te confrontarei.
Prometo que tentarei fazer sempre o meu melhor
neste equilíbrio entre o apoio e o confronto.
Prometo que te incentivarei a fazeres sempre o
teu melhor, a amares o brio, o gostar de fazer bem.
Que te repreenderei se fizeres mais ou menos
por desleixo ou por medo de fazer mal.
Que tentarei que percebas que se não estiveres
disposta a correr o risco de errar, é muito mais difícil criar, inventar,
imaginar, deixar a tua marca neste mundo que é teu.
Prometo recordar-te que a corrida é longa e é
contigo mesma. Que, no final das contas, não vale a pena competir a não ser
consigo próprio. E que tal não significa exageros de auto-exigência, nem pode
significar. Quando se é demasiado exigente consigo próprio, é-se naturalmente
demasiado exigente com os outros e tanto controle torna o caminho difícil.
Descontrai! Arrisca! Com brio. E não roas as unhas!
Não percas tempo com o que não podes mudar! Tem
a coragem de mudar o que podes e queres! Não dês poder à mediocridade! Nem
faças dietas parvas! És única, irrepetível e especial. Nunca te esqueças disso!
Prometo que te recordarei muitas vezes que o
medo é o travão do mundo e que, na maior parte das vezes, quando levantamos o
lençol do fantasma, só há ar lá de baixo. Respira fundo e investe! Investe-te!
Prometo fazer-te massagens e festinhas.
Prometo dar-te gomas e pizzas.
Prometo fazer canções para ti.
Prometo ensinar-te que a liberdade é gémea da
responsabilidade e que és livre se assumires as consequências do que decidires,
mesmo que por vezes te pareça contra tudo e contra todos. Não há nenhum ser
humano que, face a uma decisão, não escolha a melhor que consegue. Fazemos
sempre o que podemos, numa determinada circunstância e, se nos enganarmos, o
mundo não acaba, há mais caminho para fazer logo a seguir.
Como tu dizes, o passado passou.
Como eu digo, serve para aprendermos a recordar,
para não repetir o que não queremos repetir.
E como dizemos as duas, agora é o presente. E é
um presente. Um presente que me ofereces e que te ofereço. Tu, meu amor, meu
tão grande amor, és o meu presente, o nosso presente, como o teu enorme coração
que também não cabe nas palavras.
Prometo que me zangarei, menos ou mais, se
resolveres ouvir música que não vale um chavo, se deixares de ler, de pintar, de
fazer desporto, de gostar de cinema, de querer viajar.
Prometo que me zangarei, menos que mais, se achares
este texto uma lamechice ou se pintares os cabelos de loiro platinado. E também
se não comeres pelo menos cinco frutas ou legumes por dia.
Prometo que me zangarei, mais do que menos,
bastante mesmo, se não te respeitares e não respeitares os outros, se deixares
de brincar, se não te lembrares que és a protagonista da tua vida, se não
ignorares os invejosos, se te esqueceres que o bem mais importante na vida é a
saúde, que o amor é poder contar com o outro e que tudo tem remédio, tudo se
resolve e há sempre um pontinho branco num fundo todo preto. Ah! E que amuar é
empurrar uma parede que nunca se moverá.
Mas mesmo que te esqueças destas coisas todas,
eu estarei sempre contigo porque te amo, incondicionalmente, o único amor
incondicional que conheço.
Quero que cresças e tenho saudades de tudo o
que já vivi contigo.
Quero que uses as minhas roupas e tenho
saudades dos teus primeiros vestidinhos, tão pequeninos.
Quero que faças acrobacias e tenho saudades de
quando não querias gatinhar (e não gatinhaste!), e passavas a vida em pé a
estender-nos as mãos para te assegurarmos os passos.
Quero que fales português como falas, dessa
forma articulada, expressiva, elaborada, cada vez mais segura e argumentativa e
tenho saudades de quando palrava contigo, arrrrre,
arrrrrre... numa salganhada de sons
desgarrados agarrados à nossa intenção de diálogo.
Quero que fales francês com esse tom gracioso e
tenho saudades de quando misturavas as tuas duas línguas maternas e dizias
coisas como “Fais-moi des festinhas!” ou
“Só mais um bisou.”
Quero que cantes, com a tua voz cada vez mais
precisa, e sinto falta da tua voz de bebé.
Quero que leias, desenvolta, como lês, tão
expressiva, e tenho saudades de quando começaste a ler e do brilho nos teus
olhos quando, sincopadamente, descobrias na escrita as palavras que já
conhecias.
Quero que conheças, bem, grande parte do
dicionário e tenho saudades de quando me perguntavas, com mais frequência, o
que quer dizer isto ou aquilo.
Quero que viajes, muito, que subas montanhas,
que palmilhes cidades, que descubras florestas e praias, que navegues mares e
oceanos, tu que te deslumbras com o mundo, e tenho saudades de quando to
mostrava, encostada a mim, num marsúpio.
Quero que comas de forma saudável, que
experimentes sabores, que inventes receitas, e tenho saudades de quando te dava
de comer.
Quero que sejas independente, autónoma,
auto-apoiada, e tenho saudades de quando dormias ao meu colo.
Quero que este encontro paradoxal entre os meus
desejos e saudades permaneça.
Usa vestidos, põe perfume, inventa palavras, toca
guitarra, lê “O cavaleiro da armadura enferrujada”, dança, estuda, diverte-te,
vais às compras, não te esqueças do protector solar, sê profunda, assertiva, e
sê fútil de vez em quando. Tudo compõe a tua vida, tudo. Não deixes nada por
fazer a não ser que o decidas responsavelmente!
Quero que brinques, que pregues partidas, que
toques guitarra, que conspires com a Manon, que escrevas, que sonhes, que cries,
que ames, que sejas amada, que sejas feliz!
Minha Manon,
Tu nasceste 2 anos menos 2 dias depois da tua
irmã.
Também era terça-feira. 4-4-6. Ela nasceu a
6-4-4.
Nem imaginas a confusão que às vezes é
preencher documentos! Implica uma reflexão aturada para não trocarmos os números.
Mas tu, Manon, nasceste às 4h 06, quase como o
teu pai que nasceu 6 minutos antes, numa tarde cuja noite seria de lua nova,
como ele, num solarengo dia de Primavera, como ele também.
Chegaste com a mudança da hora, a boa, a que
torna os dias maiores, a que traz luz.
Chegaste com as borboletas, as rosas, o cheiro
a sol.
Chegaste e eu sussurrei-te
“Bem vinda Manon! Este é o mundo. Mundo, esta é
a Manon.”
e desejei em segredo
“Que sejas feliz!”.
Aninhaste-te encostada a mim, entre o meu braço
direito e o meu peito e dormiste horas a fio. E eu cheirei-te, horas a fio.
Se fechar os olhos quase que sinto o teu cheiro,
único, na paz daquelas primeiras horas.
Podia repetir o dia do teu nascimento para
sempre, que seria feliz.
Podes pensar que já não me era desconhecida a
situação, mas o que é certo é que, ao olhar para ti, me perguntei, como ainda o
faço
“Como é que eu fiz isto? Um ser humano, com
cabeça, tronco e membros, olhos, nariz, boca, dedinhos das mãos, dedinhos dos
pés? ... É que não é a mesma coisa que fazer um desenho... é uma espécie de
milagre... eu fiz uma pessoa, de carne e osso!”.
A minha perplexidade continua, e nada tem de académica.
Desde que te vi pela primeira vez e sempre que
te vejo, maravilho-me com a tua existência.
Tu és a Manon, um ser humano único e
irrepetível, tu és a Manon, bonita, inteligente, perspicaz, argumentativa,
cómica, divertida, com bicho carpinteiro e pêlo na venta, verdadeira, empolgada,
simpática, cor de caramelo, artista, divergente, doce, distraída e muito, muito
malandreca.
Tu és a Manon, a minha Manon, a nossa Manon, e
saíste da minha barriga, de mim, para o mundo.
Tu és a minha filha, a minha filha bebé, e, no
entanto, não és minha, és de mim, porque os filhos não são nossos, são do
mundo, e tu és do mundo, como todos nós.
E fui eu quem te trouxe ao mundo.
É tão grande a realidade deste feito que não
cabe nas palavras.
Como tu, minha pequenina, és tão grande que não
há vocábulos suficientes para te descrever.
Que boa sorte que eu tenho!
Que boa sorte é ter-te!
Que boa sorte que eu tenho!
Que feliz sorte que nós temos!
Prometo que estarei sempre contigo, que te
darei a mão, que segurarei a tua, que te guardarei lugar ao meu lado e que, se
não houver lugar, podes ficar ao meu colo.
Prometo que te levarei às cavalitas se
estiveres cansada e que te darei um quadradinho de chocolate para te consolar
se estiveres triste.
Prometo que respeitarei o teu tempo mas não
garanto que não tentarei apressar-te ou travar-te se não concordar com as tuas
decisões.
Prometo que te apoiarei e te confrontarei.
Prometo que tentarei fazer sempre o meu melhor
neste equilíbrio entre o apoio e o confronto.
Prometo recordar-te que por muito autónoma e
independente que sejas, precisas dos outros, muitas vezes, para muitas coisas,
e que pedir ajuda é fundamental. É por isso que somos mais do que um, para
percorrermos partes do caminho juntos e nos ajudarmos.
Prometo acrescentar que não é responsável
partir do princípio que o outro deve saber do que precisas sem lho dizeres. O
outro não tem essa responsabilidade até lha dares com o teu pedido. Tu tens a
responsabilidade do pedido, o outro a da resposta. Pede, se precisares. Pedir
ajuda não é ser fraco, é ser sábio, e aumentas as hipóteses do “sim”. Se o
“não” for frequente, procura outra fonte que essa está seca!
Prometo que te embalarei.
Prometo que te aconchegarei.
Prometo que te cantarei canções, para
adormeceres.
Prometo que te incentivarei a fazeres sempre o
teu melhor, a amares o brio, o gostar de fazer bem.
Que te repreenderei se não o fizeres por
desleixo ou por medo de fazer mal, porque só conseguirás criar, inventar,
imaginar, deixar a tua marca neste mundo que é teu, se te dispuseres a correr o
risco de errar.
Prometo recordar-te que que és livre e poderosa
se fores responsável e competires apenas contigo própria, a corrida é longa e é
contigo mesma. Mas não exageres na exigência. Umas vezes mais, outras vezes
menos. Contigo e com os outros.
O equilíbrio atinge-se por tentativas e erros.
E está sempre a mudar. Não desistas!
Respira fundo e investe! Investe-te!
A vida é movimento. Como uma roda. E é tua. És
a protagonista.
Prometo ensinar-te regras para poderes usufruir
do prazer das excepções.
Prometo que farei canções para ti.
Prometo que farei magias para dar cabo dos
sonhos maus, que te ajudarei a escrevê-los em papéis que rasgarás em pedacinhos
e queimarás ou deitarás fora para nunca mais voltarem. Resulta, não resulta?
Põe as coisas menos boas fora de ti pois, fora
de ti, não te podem fazer mal, não te podem fazer nada.
Guarda tudo o que é bom!
És tu quem manda no que se passa dentro de ti.
Lembra-te que a vida é aqui e agora. Ontem já
foi. Amanhã ainda não chegou. Agora é o presente, um presente que nos
oferecemos.
Tu, meu amor, meu tão grande amor, és o nosso
presente, como o teu imenso encantamento que também não cabe nas palavras.
Prometo que me zangarei, menos ou mais, se
resolveres ouvir ruído e não música, se deixares de amar os livros, de desenhar,
de fazer desporto, de gostar de cinema.
Prometo que me zangarei, menos que mais, se
achares este texto uma lamechice ou se usares roupas que eu considere absurdas.
E também se não lavares os dentes três vezes por dia.
Prometo que me zangarei mais do que menos,
bastante mesmo, se deixares de brincar, se de acreditar em ti, se te esqueceres
que o bem mais importante na vida é a saúde, que o amor é poder contar com o
outro e que tudo tem solução. Sê optimista! Sê divergente! Sê criativa!
Mas mesmo que te esqueças destas coisas todas,
eu estarei sempre contigo porque te amo, incondicionalmente, haja o que houver.
Quero que cresças e tenho saudades de quando te
sentavas ao meu colo, me abraçavas com força, e os teus braços, pequenos, não
davam a volta toda do meu corpo.
Quero que uses os meus sapatos e tenho saudades
dos teus pés, tão pequeninos, e de quando os mordias.
Quero que faças acrobacias e tenho saudades de
quando gatinhavas a uma velocidade maluca por todo o lado.
Quero que fales português como falas, com um
vocabulário diferenciado, sempre argumentativa, e tenho saudades de quando não
dizias o “r” enrolados, só em francês o conseguias fazer, e as tuas frases
tinham um toque de chinês. “Vamos comêle
agola?”, “Quélo dolmile.”.
Quero que fales francês, como falas, com esse accent parfait, e tenho saudades quando era frequente começares quase
todas as frases numa das tuas línguas maternas e terminares com a outra.
Quero que cantes! Que viajes, festejes e rias
muito!
Quero que uses protector solar!
Quero que nunca percas a curiosidade e que
perguntes sempre, como o fazes, quando não sabes alguma coisa.
Quero que leias, tu, que que o aprendeste
sozinha, tão pequenina, e tenho saudades de quando nos apercebemos do teu feito.
Quero que este encontro paradoxal entre os meus
desejos e saudades permaneça.
Dança, faz quebra-cabeças, usa vestidos, toca
guitarra, lê “A fada Oriana”, põe perfume, diverte-te, come chocolates, sê
poética, assertiva, estuda, e sê fútil de vez em quando. Tudo compõe a tua
vida, tudo. Não deixes nada por fazer a não ser que o decidas responsavelmente!
Quero que jogues, que viajes, que pregues partidas,
que conspires com a Mathilde, que inventes, que sonhes, que ames, que sejas
amada, que sejas feliz!
Meu Xavier,
Eu não seria mãe, assim, sem ti, sem o teu
companheirismo, a tua dedicação, o teu riso, a tua malandrice, a tua ironia, o
teu optimismo, a tua disponibilidade, o teu incentivo, as tuas soluções, o teu
pensamento divergente, a tua admiração, os teus jogos, os teus desenhos, a tua
imensa criatividade, a tua honestidade, o teu amor.
Tu és o nosso porto seguro, o melhor pai do
mundo, o melhor companheiro do mundo, e que privilégio para mim ser a mãe e tu
seres o pai!
Que boa sorte que eu tenho!
Que boa sorte é ter-te!
Que Boa sorte que nós temos!
Que Feliz sorte nos saiu em sorte!
Maria de Vasconcelos
Cascais, 3 de Março de 2013"
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